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Entrevista com a Gabi: o novo jornalismo e seu (não) padrão

Não é a primeira vez que conto a vocês que tenho um carinho especial por pesquisas que tentam revelar o que o futuro nos reserva. Estudei o coolhunting e, sempre que posso, leio artigos que traçam novos caminhos.

E nada melhor para entender o futuro, que acompanhar a nova geração. Eu me formei com foco no impresso, ainda. Já a Gabrielle Pacheco, minha entrevistada da vez, de 22 anos de idade, vai se formar no final de 2021 e já tem tanto a acrescentar sobre o mundo digital e o universo millenial, que poderíamos gravar uma websérie, né, Gabi? :)


Com muito carinho, convido vocês para essa leitura especial com a editora (mega antenada) da Revista Expansão sobre novos formatos de comunicação, o combate às fake news e o novo (não) padrão do profissional de jornalismo.


Teus pais são diretores de uma revista muito bem conceituada e consolidada no Rio Grande do Sul. Como nasceu tua relação com essa área?

Pois então, a minha relação com a revista nasceu comigo, praticamente. Sempre acompanhava a rotina de escritório, indo com meus pais nos eventos e nos clientes, e comecei cedo a ajudar, com 15 anos já corrigia a revista e ajudava nos editoriais de moda que fazíamos.

Meu pai sendo jornalista e minha mãe como RP de fato me deu uma visão muito mais próxima da carreira e do mercado desde o início, então já comecei a faculdade sabendo que nem tudo – na verdade, muito pouco – é glamour. A Expansão é o lugar onde eu comecei, não tem como me afastar muito disso, porque é natural trilhar um caminho que meus pais iniciaram, há mais de 20 anos.

Aprendi muito do que sei com a minha família, com as (muitas) pessoas que já passaram por aqui – algumas delas, inclusive, são meus professores na faculdade. Então, tenho um privilégio enorme nas mãos, são pouquíssimas pessoas que tem acesso direto a esse meio desde cedo, infelizmente. Seria um desperdício colocar isso tudo fora. Até mesmo ter a oportunidade de estar aqui, enquanto graduanda, falando sobre a área, já é algo incomum, porque quantas vezes vemos estudantes sendo entrevistados sobre a própria carreira? Geralmente isso ocorre quando já estamos consolidados.

Por isso, me sinto na obrigação de aproveitar as chances que me são dadas. Ainda não sei se vou seguir com o que meus pais deram início ou se vou empreender por conta própria, porque gosto de fazer as coisas do meu jeito e deixar a minha carinha nos projetos – isso acaba gerando conflitos, às vezes (risos). Então daqui a pouco é mais interessante aliar a experiência que ganhei ao longo do tempo, com meus pais na Expansão, às ideias novas e à vontade de fazer coisas diferentes que não cabem nesse formato que já fazemos. São muitos aspectos a se pensar!

A escolha pelo jornalismo na universidade foi natural, desde sempre?

Na escola, eu era a nerd que sentava na frente, mas ao mesmo tempo muito conversadeira, amava as aulas de Português, História, Sociologia, e estava sempre com um livro debaixo do braço. Escrevia tudo que podia – já fiz roteiro de filme, peça de teatro, contos de ficção, até ganhei concurso de redação, então, para mim, esse universo de texto é muito natural. Apesar disso, eu sempre fui meio contestadora e "do contra" (risos), sempre que me perguntavam se eu ia assumir a revista, eu ficava meio de saco cheio. Vai entender a mente adolescente!

Com isso, minha ideia, até pouco antes de começarem as inscrições dos vestibulares, era estudar Fonoaudiologia em uma universidade federal, porque eu gostava muito de Biologia e de entender a fala, processos de comunicação (olha ela aí, dando as caras de um jeito ou de outro!). Achei que seria uma boa ideia seguir nesse curso, mas foi caindo a ficha de que federal envolve ralar muito, geralmente sem nem ter como trabalhar ao mesmo tempo, e vi que aquilo não era pra mim. Eventualmente, acabei desistindo.

A partir daí, passei a amadurecer a ideia de estudar Jornalismo e ingressei na Feevale, por ser a faculdade onde minha mãe estudou, por ser próxima da minha casa e, claro, por ter ótimos professores e profissionais formados. No início, fiquei extremamente insegura da minha decisão, achava que Jornalismo não era muito para mim, porque, apesar de não parecer, eu sou um pouco introvertida, a ideia de falar com pessoas estranhas me deixava bastante nervosa. Com o tempo, a gente se acostuma com a ideia e vai lidando com isso – mas a introspecção segue comigo até hoje!

Eu me formei em 2010. De lá pra cá, o que eu vi na faculdade mudou, e muito. Tu já fazes parte da nova geração. Como tu avalias a profissão de jornalista hoje?

Olha, hoje nós convivemos com um desafio grande, cada vez maior, que são as famosas "fake news" – que, aliás, prefiro chamar de desinformação, afinal, se é notícia, não é fake; se é falso, não é notícia. Portanto, como jornalistas, precisamos combater isso dia após dia, através de apuração de pauta precisa, de credibilidade nas fontes e nas tuas próprias palavras.

Por outro lado, o próprio perfil de jornalista mudou: antes era aquela coisa do glamour, de querer aparecer na TV todo engravatado, falando difícil. Hoje em dia, isso é muito mais diverso, jornalista não tem mais uma aparência única, pode ser tatuado ou não, gordo, magro, preto ou branco, e precisamos dar visibilidade a esses novos perfis. Além disso, o jornalismo passou a ser mais e mais global - quase não existem mais os jornalistas de redação ou de rádio, por exemplo.

Precisamos adquirir habilidades que nos formem para a profissão como um todo: tu precisas, pelo menos, saber como falar com o público através das redes sociais, diferenciar cada uma das plataformas e para que servem, saber que um material para web não é o mesmo de uma revista e, muito menos, de um jornal. Puxa vida, até mesmo com a câmera é preciso ter, no mínimo, uma familiaridade! Nunca sabemos quando vamos precisar fazer uma pauta por vídeo, por exemplo.

Hoje em dia, se um veículo se mantém somente através de um meio – seja ele site, rede social ou impresso –, dificilmente ele irá conseguir se manter por muito tempo. É de extrema importância termos consciência disso e nos prepararmos para esse mundo cada vez mais integrado.

Apesar da transição para o digital, a revista Expansão mantém a versão impressa. Como vocês lidam com esses dois ambientes na hora das pautas e conteúdos?

Não é fácil! Apesar de o impresso ter se desvalorizado muito, depois de atingir o pico, ali por 2010, procuramos sempre manter a qualidade que tanto nos torna conhecidos. Não é porque a internet faz sucesso que devemos deixar de lado o que nos trouxe ao patamar que estamos hoje – ou seja, a revista impressa. Precisamos nos reinventar todos os dias, porque não é fácil encontrar novos formatos de notícia e conteúdo sem que eles se tornem batidos ou clichê.

Além disso, estamos com uma evolução no nosso site e redes sociais. A pandemia nos forçou a dar um up no âmbito digital como um todo, mas essas coisas requerem um certo investimento – aliás, engana-se quem acha que, só porque não é físico, é barato –, portanto, estamos fazendo aos poucos. Para o próximo ano, queremos pensar em projetos que integrem bastante o uso de impresso e de web. Queremos isso, principalmente, para a Expansão Noivas, que é um produto mais nobre e disputado, por ser um anuário e trazer uma produção feita inteiramente por nós, das fotos ao projeto gráfico às reportagens.

Como tu avalias o futuro do impresso?


O case da revista Elle é o mais emblemático, para mim. Eles estavam passando por grandes dificuldades e, em 2018, encerraram as atividades. Esse ano, foi ressuscitada de uma maneira completamente diferente: agora, o foco é fazer um jornalismo digital de qualidade e trazer conteúdos especiais no impresso. Esse impresso será feito quatro vezes por ano, se não me engano, e passa a ser um objeto de colecionador, um material realmente especial.

Costumo comparar a caminhada do impresso com a do LP – primeiro, todos queriam; depois, passou por um período de baixa e desvalorização; agora, é item cult e direcionado para quem realmente aprecia o formato. Dito isso, eu vejo com otimismo o futuro do impresso, cabe a nós nos adaptarmos a esse modelo e enxergarmos que a revista de antigamente não volta mais, mas pode ser revisitada e modernizada.

Numa visão pessoal tua, o novo jornalista deve expressar mais sua opinião e posicionamentos, ou preservar a tradicional postura da imparcialidade? - afinal, estamos todos mais expostos e opinativos.

Olha, esse é um tema bastante polêmico aqui em casa (risos)! As redes sociais deram voz a um debate que antes ficava muito restrito ao grupo de amigos. Tu consegues trocar opiniões com qualquer um, hoje em dia, sobre qualquer tema. Então, como quase jornalista, sempre busco falar sobre assuntos que me incomodam – sejam eles políticos, ambientais, sociais, estou sempre no meio dando meu pitaco (risos). Acredito que, se algo está errado, precisamos nos posicionar e, mais do que isso, agir.


Tem uma frase do Nobel da Paz Desmond Tutu em que me baseio muito: "Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor". Ela resume tudo o que acredito. Aprendi com meu avô, que foi juiz do trabalho, a nunca me calar diante das injustiças e sempre me informar com o que acontece ao meu redor. Não é possível ser jornalista e permanecer alienado diante do que ocorre. Mais do que isso, é inadmissível eu, sendo profissional da imprensa, concordar com a censura, com colegas de profissão sendo agredidos, com pessoas que não sabem diferenciar uma coluna de opinião de uma notícia, por exemplo – estamos numa democracia, afinal de contas.

Por outro lado, é importante saber diferenciar os momentos em que tu falas isso: numa reportagem, tu não podes emitir a tua opinião pelo texto. Posso usar minhas redes sociais para expressar meus pensamentos, mas não o meu espaço de trabalho. Mesmo que não concordemos, precisamos noticiar os fatos. Mesmo que seja desconfortável, precisamos entrevistar, acima de tudo, as pessoas com quem não concordamos – confrontar-se com ideias com as quais não estamos acostumados é saudável, amplia nosso entendimento de mundo e nos faz questionar. Agora, uma coisa que me arrependo é ter declarado apoio explícito a candidatos nas redes.


Acredito que esse não seja o papel do jornalista, mesmo no âmbito pessoal. Posicionar-se sim, fazer campanha não.

Como tu vês o futuro da profissão jornalista?

Jornalismo é correria, é pressão de pautas novas, de entrega nos prazos e, como eu falei antes, é fazer de tudo um pouco: web, impresso, vídeo, áudio, gráfico… Precisamos, cada vez mais, entender que ninguém é jornalista somente de redação ou de rádio, e sim um profissional completo, que possa se adequar aos novos formatos sem deixar para trás a qualidade do jornalismo de antigamente. Acredito que esse é o grande desafio, mudar e evoluir conforme o mercado dita esse movimento. Certamente, fazer jornalismo através das redes sociais será um caminho muito requerido pelos veículos.

O próprio Instagram lançou a ferramenta Blogs, que, acredito eu, será um divisor de águas entre quem produz conteúdo, de fato, e quem fabrica imagem, sabe? Além disso, penso que o SEO, que já aparece nos jornais online e em artigos de blog, será ainda mais incorporado ao jornalismo e à reportagem web.

Querendo ou não, veículos de imprensa são produtos mercadológicos que buscam o lucro, então todos querem o máximo de visibilidade, para entregar dados que comprovem isso aos clientes e anunciantes

Como foi tua experiência de estudos no exterior?

Viajei para Los Angeles, Califórnia, em janeiro de 2020 e, com toda certeza, foi uma experiência maravilhosa! Fiquei um mês estudando o curso de Comunicação, Design e Inovação na California State University, Northridge (CSUN). Ter o contato com professores nativos e me inserir num contexto acadêmico, em vez de puramente turístico, foi incrível, principalmente pelo fato de eu nunca ter viajado para o exterior – sozinha, então, nem se fala (risos)!

Acredito que essa experiência me deu uma segurança de que tenho capacidade de fazer as coisas sozinha, sair do ninho, sabe? Foi um exercício de autoconfiança total, desenvolvi muito o meu inglês, sem contar que fiz muitas amizades e networking lá. Mas essa foi só a primeira de muitas vezes, ainda quero fazer algo no exterior a longo prazo. Meu sonho, agora, é finalizar a graduação e partir para um mestrado fora, talvez Portugal ou Nova Zelândia. Veremos!

Como nasceu o projeto @millenial.cc?

Inicialmente, ele é um projeto da cadeira de Jornalismo Digital da Feevale. Porém, meu time está tão empolgado que certamente levaremos adiante para, no futuro, tornar-se um produto mesmo. De maneira geral, vamos trazer uma nova abordagem a respeito de negócios e empreendedorismo. Pensamos muito a respeito e não encontramos nada que direcionasse esses temas especificamente para jovens, e eles (nós!) estão se tornando maioria no mercado de trabalho e na abertura de pequenas empresas.

Então, por que não tornar a revista de negócios algo mais tangível e identificável? Sempre vemos pessoas já consolidadas no mercado sendo capa de grandes publicações, como a Exame, Negócios S.A., mas está na hora de diversificarmos um pouco esse perfil e aproximá-lo de quem corresponde à base da nossa economia, e não ao 1% que lucra milhões por ano.

 
 
 

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